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Michael Jackson: como a infância influencia o

comportamento do adulto

Por Pedro Palma e Thamirez Rodrigues

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O abuso infantil é definido como toda forma de violência física, psicológica, tratamento negligente ou qualquer tipo de exploração, resultando em dano real ou potencial ao desenvolvimento da criança. Segundo o psicólogo Eduardo Meirelles e o promotor de Justiça Rodrigo Medina, uma análise comportamental psiquiátrica é imprescindível para casos de violação.


Acusado de abusar sexual e psicologicamente de crianças e pré-adolescentes durante a década de 90, Michael Jackson teve uma infância marcada por agressões físicas e verbais vindas do pai, Joe Jackson, que mantinha uma relação abusiva e autoritária com o filho até o dia de sua morte, em 2009. Joe exercia uma forte pressão sobre os filhos, ainda crianças, os forçando a trabalhar desde cedo e os impulsionando na carreira musical. Os ensaios dos “The Jackson 5” eram marcados pela supervisão violenta do patriarca, que até carregava um cinto na mão caso alguém cometesse algum erro. Aos oito anos de idade, Michael se tornou o vocalista principal do grupo, deixando de lado uma infância como as das outras crianças e assumindo um papel de responsabilidade e cobranças precocemente, desenvolvendo traumas, distúrbios e problemas de ansiedade severa.


De acordo com Meirelles, a principal medida a ser tomada quando uma criança é abusada e tem o direito violado é tirar o contato dela com o abusador e submetê-la a tratamento psicológico, bem como a responsabilização criminal do acusado, oposto ao que aconteceu no abuso de Michael, quando criança. Para o psicólogo, esse foi um dos desencadeadores principais do comportamento do cantor enquanto adulto e das acusações de pedofilia e abuso sexual que, nos últimos anos, vêm sendo consideradas provas de que Michael, de fato, molestou menores de idade e que os manipulava constantemente.


– Sem dúvida, a infância difícil moldou quem ele era. Precisamos pensar na maneira que cada ser internaliza suas experiências de vida. O abusador está em um movimento no qual se sente excitado, tem um contexto. A relação abusiva com o pai, a falta de amigos da sua idade quando criança, tudo isso contribuiu para moldar a personalidade dele. Claro que não se pode generalizar e dizer que toda pessoa que foi abusada quando jovem se torna um abusador, mas isso influencia suas ações quando adulto, sobretudo se o abusado não é submetido a um tratamento psicológico – afirmou o psicólogo.


O abuso infantil geralmente acontece dentro de casa, em ambiente familiar e, muitas vezes, a única testemunha é a criança. O Ministério Público (MP) tem um papel importante na acusação do abusador, no qual o promotor criminal analisa os elementos que tem, se houve flagrante ou não e, dessa forma, acompanha a realização do inquérito policial e assim trabalha na proteção dessa criança. Segundo dados do Módulo Criança Adolescente, um sistema do MP, só no segundo semestre de 2018, no estado do Rio de Janeiro, 1.650 crianças foram acolhidas. A base de dados mostra que 3,94% delas foram acolhidas por terem sofrido abuso ou suspeita de abuso sexual. A análise das crianças acolhidas por abuso físico ou psicológico, no mesmo período, indica 5,76% do total.


Rodrigo Medina é responsável pela proteção da criança em casos de violação e acompanha a vida dela pós-abuso, como qual o tipo de atendimento ela vai ter e se os pais ou guardião têm as condições para oferecer a proteção que a ela precisa. De acordo com Medina, a análise do perfil e do passado do abusador é algo muito específico e conta que há um setor de psicólogos do MP que se encarrega dessa área.
 

– O Módulo Criança Adolescente é um sistema muito importante para o nosso trabalho. É como se fosse uma base de dados estadual de crianças e adolescentes em situações de acolhimento, crianças que estão afastadas de suas famílias por algum motivo, vivendo com outros familiares ou em uma instituição temporariamente. Dentro desse universo, a gente monitora todas as situações pelas quais essas crianças passam. Acompanhamos as situações individuais de cada uma delas e também a situação geral, coletando dados. Esses dados podem orientar a elaboração de políticas públicas. Por exemplo, eu vejo o recorte do número de acolhidos, quais são os motivos pelos quais eles estão em acolhimento, se foi vítima de negligência, exploração e abuso sexual, agressão física, psicológica... ou seja, por que ele foi para o abrigo? – explica o promotor.


Nesse ano, o lançamento do documentário “Leaving Neverland” explicita, denuncia e contextualiza os abusos de Michael Jackson contra duas crianças, Wade Robson, na época com sete anos de idade, e James Safechuck, com dez anos. No auge do sucesso, o Rei do Pop, como era chamado, desenvolveu relacionamentos com esses dois meninos, que hoje tem mais de 30 anos. Manipulando as crianças e também suas famílias, segundo os depoimentos das vítimas no filme, ele conseguiu fazer com que todos depusessem a seu favor em 1993, ano em que Michael foi acusado de abusar sexualmente de uma criança pela primeira vez.

 

 

 

 

 

 

Em 2005, mais uma acusação de abuso sexual veio à tona, dessa vez por Gavin Arvizo, sobrevivente de câncer infantil. Entretanto, o astro foi absolvido por falta de provas, deixando o caso vivo apenas através da divulgação da imprensa, o que gerou polêmica nacional e internacionalmente. Nessa ocasião, Wade Robson testemunhou a favor de Michael e relatou que o cantor o treinava para um possível julgamento desde que começou a abusar do menino.


Para Eduardo Meirelles, não há como afirmar precisamente se houve abuso ou não, mesmo com muitas as circunstâncias apontando que sim. Ele relembra a construção de Neverland, o comportamento e traços assumidamente infantis e chama atenção para o fato de que, tirando a parte do Michael Jackson artista, restava o Michael criança, sob a perspectiva de quem o acompanhava de longe, fora de sua intimidade.


– Podemos atribuir o hábito que ele tinha de andar e brincar com crianças e seu jeito infantil à falta da vivência dessa fase da vida. É uma forma de libertar a criança que ele nunca foi. O que acontece é que isso é algo estranho para as pessoas, então as acusações fazem certo sentido para elas. Agora, outro ponto totalmente diferente e delicado é a consequência do duro abuso, físico e psicológico, que ele sofreu no passado, e o fato de que isso pode e muito provavelmente está ligado a todas as ações, sejam elas criminosas ou não, que ele cometeu já crescido e em uma posição de poder proporcionada pela fama – conclui o psicólogo.

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Michael Jackson e crianças em Neverland / Crédito: Michael Jackson Vip Club

Michael Jackson e James Safechuck na década de 80 / Crédito: Veja Online

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