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Drogas prescritas que podem ser fatais

Por Victoria Reis

 

A professora de Neurofarmacologia da USP Rosa Camarini disse como o vício de Michael Jackson em medicamentos para dor e insônia, administrados pelo médico Conrad Murray, agiu no corpo do astro e influenciou para a parada cardíaca fatal, no dia 25 de Junho de 2009. A professora explicou que a dependência química é uma doença em que o indivíduo perde o controle do consumo. O abuso desses medicamentos entorpece um sistema importante para a sobrevivência humana, o uso descontrolado leva à tolerância da substância e, por conta da abstinência, se torna difícil mudar o hábito, segundo Camarini.

- A gente tem no nosso sistema nervoso central um sistema de recompensa (ou da motivação), que é o sistema do prazer. Ele é importante porque nós temos que estar motivados para consumir coisas que são prazerosas e importantes para a gente, como a comida, sexo ou atividades físicas. Então a partir do momento que as substâncias sequestram esse sistemas, a droga passa a ser mais importantes para o indivíduo do que, por exemplo, se alimentar ou qualquer coisa que lhe dê prazer - contou Camarini.

A psicóloga do Instituto de Psiquiatria na área de álcool e drogas de São Paulo, Cláudia Camargo, contou que não são todas as medicações que causam dependência. De acordo com a profissional, existe um grupo de remédios que pode evoluir para um quadro abusivo, e por isso a venda é, teoricamente, controlada.

- É possível buscar a substância para aliviar a sensação de dor e acabar dependente. Assim como é possível ter alteração no sono, como um quadro de insônia, e buscar por uma substância que traga o recurso. A melhora do quadro pode levar o indivíduo a desenvolver um vício - afirmou a psicóloga.

No caso da medicação, explicou Cláudia Camargo, além desse benefício percebido, de aliviar o sofrimento, tem a ideia de que um remédio prescrito não é um problema:

- Por isso o tempo até assumir o vício pode ser maior por se tratar de alguém com dependência de medicação. A legalidade também acaba sendo um facilitador à medida que o acesso é mais fácil, pois tem maior disponibilidade dentro da sociedade.

O professor de Farmacologia Pedro Celso Braga, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), chamou atenção para a diferenciação entre os termos “remédios”, “medicamentos” e “drogas”.

- O termo remédio remete a um conceito muito maior, que pode ser traduzido como qualquer coisa que gere bem estar; desde uma substância química até um procedimento de cunho místico, um processo religioso, até o exercício físico. O fármaco é uma substância química, um princípio ativo que, está contido dentro de uma formulação farmacêutica que vai servir para tratar uma doença, isso (a formulação) é um medicamento. Já a droga é qualquer substância química que altere alguma função neurológica do organismo.

O especialista em dependência química Robert Waldman declarou que Michael Jackson foi viciado em demerol, segundo o depoimento dado por Waldman no julgamento do médico Conrad Murray no dia 25 de julho de 2011. Rosa Camarini explicou que este medicamento é derivado da morfina, um hipnoanalgésico.

- Ele tomava esse fármaco em decorrência das dores crônicas e a prescrição indiscriminada induziu a dependência. E o abuso de medicamentos como o demerol torna o indivíduo muito sensível à dor. Por isso que se torna um ciclo vicioso - acrescentou a neurofarmacologista.

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A neurofarmacologista explica que os fármacos da classe dos benzodiazepínicos, depressores do sistema nervoso central,  são usados para casos de ansiedade e insônia, por exemplo. O professor Braga acrescentou que fármacos da família de ansiolíticos benzodiazepínicos são conhecidos pelos nomes comerciais como rivotril, ou valium, sendo medicamentos que agem no sistema nervoso central, com grande potencial para desenvolver dependência química.

 

- O médico deu uma dose de um desses remédios e não fez efeito; ele escolheu outro da mesma classe, e também teve resultados; escolheu outro e de novo não foi o suficiente. E Conrad acabou usando um fármaco que é usado nas clínicas como um anestésico: o propofol - explicou Camarini.

A professora explicou que o propofol é um remédio amplamente usado em procedimentos cirúrgico e mesmo em procedimentos ambulatoriais como a endoscopia e colonoscopia. O fármaco serve para indução e manutenção da anestesia e é considerado seguro pelo corpo médico.

Desenvolvendo o vício

Camarini explicou que existem dois fenômenos importantes na dependência química: a tolerância e a abstinência. O primeiro está ligado ao uso crônico da substância, no qual o corpo se acostuma após o uso repetido, e assim o remédio para de fazer efeito.

- Então, para ter o efeito de volta, o indivíduo começa a aumentar a dose. E aí chega no ponto de descontrole no qual ele não consegue mais ficar sem o fármaco - comentou a professora.

O outro fenômeno é a abstinência, ou seja, ao ficar sem os efeitos da droga o indivíduo passa a ficar em um estado desagradável. Aumenta a ansiedade, a irritabilidade, e pode induzir outros efeitos fisiológicos, como alteração da pressão arterial e do batimento cardíaco.

- Todos esses fenômenos, principalmente relacionados a disforia (mudança repentina e transitória do ânimo, tais como tristeza, angústia e medo), fazem com que o indivíduo volte a tomar o fármaco - disse Camarini.

Michael Jackson fazia, também, o uso contínuo de medicamentos para a insônia. E essa era a principal queixa do astro para o médico pessoal, Conrad Murray, que recebia uma quantia de U$150 mil por mês para tratar de Jackson. O problema do uso de fármacos para dormir é que essas substâncias não induzem um sono fisiológico normal, pois alteram a chamada arquitetura do sono.

- Então o indivíduo dorme, mas não é um sono confortável e, durante o dia, ele vai ter uma irritabilidade por conta disso - acrescentou a professora.  

De acordo com Rosa Camarini, o caso da morte de Michael Jackson foi determinado como erro médico:

- Foi devido a mistura do propofol (anestésico) junto com três benzodiazepínicos: diazepam, lorazepam e o midazolam. E o que chama atenção nessa prescrição é que o médico escolheu três fármacos de meia-vidas diferentes, que acabam prolongando muito o efeito dessas substâncias - destacou a professora.

Sobre os fármacos

Neurofarmacologista Rosa Camarini em entrevista no campus da USP

 Psicóloga Cláudia Camargo em entrevista no consultório em São Paulo

- Tem uma grande vantagem porque tem um efeito muito rápido. Então em praticamente cinco minutos depois da primeira dose o indivíduo já está acordado - disse a Camarini.

Pedro Celso Braga contou que o efeito desse remédio começa a agir depois de 30 segundos após a aplicação na corrente sanguínea. Entretanto, Camarini destacou que o propofol só pode ser usado em âmbito hospitalar:

- No hospital existem equipamentos adequados para fazer uma ventilação ou então para reanimar o paciente caso ele entre em colapso respiratório - explicou a professora.

Todos os fármacos com propriedades anestésicas jamais devem ser administrados em domicílio, e este, de acordo com Camarini, teria sido outro grande erro de conduta médica que propiciou a morte do cantor.  

Mas o uso do propofol por Michael Jackson também era crônico. Por conta da textura leitosa, o astro apelidou o remédio de “milk” (leite em inglês) e falava abertamente sobre o uso pessoal. Inclusive, a lidocaína encontrada na autópsia de Jackson teria sido usada como um analgésico local, para diminuir a dor do uso intravenoso do propofol, segundo a professora Camarini.  

O aumento da tolerância do astro devido ao uso contínuo de substâncias tão fortes influenciou para a receita que resultou na parada cardíaca respiratória. O professor Pedro Celso Braga contou o que aconteceu com o corpo do astro durante a overdose.  

- Michael morreu de parada cardíaca, porque esses fármacos são todos depressivos. Eles vão deprimir a função cardíaca, a ponto de poder levar ao que a gente chama de assistolia. Sístole é quando o coração contrai, assistolia é que o coração não contrai mais. Em consequência disso os órgãos não são irrigados, o oxigênio não chega no cérebro, morre. Foi isso que aconteceu, misturou uma grande quantidade de fármacos que são sedativos, todos esses.

O julgamento do médico

A prescrição e a administração má conduzidas levaram Conrad Murray à julgamento. O médico foi preso por homicídio culposo pela morte do cantor, mas foi solto em novembro de 2013. Murray utilizou como argumento de defesa um discurso no qual defendia que as prescrições do uso do propofol no auxílio para dormir terem sido obtidas através de outro profissionais. E quando o médico aconselhou Michael de parar o uso, o cantor iria para outro médico que lhe desse a receita.

A psicóloga Cláudia Camargo afirmou que esse problema é realmente uma lacuna no sistema de saúde:

- A gente tem histórias quando o médico fala “olha não posso mais te prescrever uma medicação por conta das implicações que ela tem, quanto a dependência e etc” e aí o paciente migra para outro profissional, e para outro e outro, mantendo o uso contínuo e tendo prejuízos por conta disso - exemplificou.

Para Cláudia, a realidade do sistema de saúde brasileiro dificulta o acompanhamento próximo entre médico e pacientes, que acabam se encontrando às vezes a cada 40 dias. Ela comentou que às vezes o número de pacientes por dia é tão grande que pode passar mais despercebido esse controle do médico sob as prescrições. Então, para a população brasileira, há uma dificuldade maior. Mas no caso do Michael Jackson, o médico tinha condição de acompanhar de perto e talvez escolher uma outra estratégia terapêutica que fosse menos perigosa.

A legislação brasileira tem uma forma de controlar a venda de fármacos que podem desenvolver dependência química, de acordo com Rosa Camarini.

- É necessário uma receita, que fica retida na farmácia com os dados do paciente ou de quem está adquirindo o remédio. Mas é lógico que precisa existir um cuidado maior na prescrição - disse a professora.

Cláudia Camargo acrescentou que o controle e a fiscalização não são suficientes para garantir uma diminuição do acesso à remédios.

- A educação da população sobre essas medicações também poderia ser um recurso útil - disse a psicóloga.

Anestésico Propofol

 Créditos:JohnOyston 

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